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ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE RAÇA E CINEMA EM CUBA

 

Yasser Socarras

 

Cineasta, mestrando em Antropologia Social na UFSC, pesquisador do NUER

 

O seguinte projeto pretende contribuir ao debate atual sobre o papel do audiovisual na representação do negro em Cuba. Partindo de uma análise dos filmes produzidos em Cuba desde a década de 80 até à atualidade e do contexto político-econômico e social do país, busca-se demonstrar a quase total ausência do negro na audiovisualidade cubana deste período, fato que contribuiu para a construção de uma imagem do negro marginalizado.

Logo após o triunfo revolucionário em Cuba, foi necessário repensar a questão do racismo e da discriminação racial que ainda estava muito presente. Foi assim que o Governo Revolucionário decretou que esta classe de conduta era inaceitável na nova sociedade que vinha se fomentando, estabelecendo-se, prematuramente, este aspecto como resolvido. Isto trouxe como consequência que as formas visíveis de expressão do racismo e discriminação racial se disfarçaram, pois qualquer ato deste tipo implicava um delito e não tinha espaço dentro do novo processo revolucionário. Desde um olhar epidérmico foi outro lastre do passado que tinha sido erradicado. Acreditar nisto ingenuamente foi o erro do qual ainda hoje, há mais de cinquenta anos de Revolução, pagam-se as consequências.

Após do ano 1959 esses preconceitos raciais foram reduzidos de forma subjetiva à círculos mais fechados nos quais era possível perpetuá-los de forma disfarçada. Essas circunstâncias contribuíram para que o tema do racismo e a discriminação racial em Cuba se convertessem em um tema tabu, que ainda hoje é difícil de socializar e problematizar como se merece.

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A problemática racial em Cuba não tem sido suficientemente abordada desde uma perspectiva científica. Se hoje existe um grupo de intelectuais e pesquisadores cubanos realizando importantes reflexões sobre o tema, num princípio a maioria dos estudos foram basicamente realizados por cubanos radicados no exterior ou estrangeiro, fundamentalmente estadunidenses, que pela condição de não habitantes da ilha perderam de vista muitos aspetos importantes no momento de elaborar a suas teses. No entanto foram contribuições enriquecedoras e o reflexo do espinhoso que era tratar o tema desde Cuba. Na atualidade o racismo e o preconceito racial em Cuba, não é só uma questão de herança histórica que é necessário erradicar e que tem a sua base na formação mesma da identidade nacional, se não que a sociedade cubana é capaz de reproduzir estes padrões discriminatórios.

Visando alcançar uma igualdade entre os cidadãos foi esquecido o individuo e suas especificidades, perdendo de vista que o todo não é nada sem as partes. Fomentou-se o ideal de identidade nacional como cubanos e deixou-se fora a diversidade étnica- racial. Uma das justificativas utilizadas em Cuba para manter o tema racial fora do centro da atenção, tem sido o forte componente de divisão social que carrega o tema. A educação tem sido outro dos fatores que tem contribuído para reforçar e perpetuar a ideia que se tem do negro em Cuba. Tem sido excluída por muito tempo dos currículos escolares uma abordagem aprofundada sobre as culturas africanas que fora além do tratamento da escravidão e religião.

Tomemos como ponto de partida que em Cuba a televisão e o cinema, são os principais pontos de referência e imposição de patrões a seguir, principalmente desde uma perspectiva estética e ideológica. Aparece logo o seguinte questionamento: São estas mídias sempre verdadeiras porta-vozes e transmissoras de modelos isentos de preconceitos e estereótipos?

Apesar das tentativas do governo cubano para que a sociedade toda se veja refletida nas mídias e sinta-se uma parte importante no processo, é possível perceber uma contradição. Um exemplo substancial disso é a ausência quase total de protagonistas negros e negras. Ainda que nos últimos anos nota-se uma maior presença principalmente nas novelas de televisão, na maioria dos casos se reforçam estereótipos negativos que tem acompanhado as pessoas negras por séculos, quando não, aparecem como uma franca imitação do patrão de beleza e estético eurocêntrico. Tudo isso contribui ao aumento da resistência por parte das pessoas não brancas a assumir-se como tal.

Ao fazer um percurso de forma geral pela cinematografia cubana, podemos perceber que em toda a sua história é praticamente nula a existência de protagonistas negras e/ou negros. As contadas exceções dão-se principalmente em filmes com caráter biográfico ou históricos principalmente ambientados no período colonial em Cuba, onde é impossível fugir da presença de negros dentro da história. Mas na maioria dos casos como argumentamos anteriormente sempre desde a posição estereotipada do escravo ou vítima dos piores maus tratos físicos e morais, quando não vinculado às religiões afro cubanas, quase sempre com um olhar folclórico.

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Resulta alarmante que até os anos 90 em Cuba, o cinema foi realizado, quase em sua totalidade, pelo governo através do Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos(ICAIC). O que presumivelmente deveria ser vantajoso para a representação do negro cubano neste meio, dado que o ICAIC como instituição do estado deveria contribuir à formação da nova sociedade proposta pela Revolução, onde todos e todas, sem distinção de sexo ou raça deviam e tinham o direito de participar e consequentemente de serem representados.

O ICAIC cumpriu com a tarefa, porém centrou-se na epopeia revolucionária. Mostrou uma sociedade em trânsito, que participava da construção de seu próprio destino. Mas assim como a Revolução, o ICAIC mostrou o todo, deixando de lado as particularidades dessa sociedade com mais de 400 anos de colonialismo e desigualdades, onde o negro e as mulheres levaram sempre a pior parte.

[…]não haver considerado «a cor da pele» como o que é, uma variável histórica de diferenciação social entre os cubanos, esquecia que os pontos de partida dos negros, brancos e mestiços para aproveitar as oportunidades que a Revolução trouxe para eles, não eram os mesmos. Se esqueceu que o negro além de ser pobre, é negro, o que representa uma desvantagem adicional, inclusive na atual Cuba (MORALES, 2010, p. 41).

Mas este “esquecimento” condizia com as exigências do momento, pois era preciso construir e mostrar a imagem de uma nova sociedade compacta e uniforme, “com Todos e para o bem de Todos”.

Salvo contadas exceções realizou-se uma aproximação ao universo do negro cubano, exemplo disto foram Sara Gómez e Nicolás Guillén Landrean, ambos cineastas negros, preocupados pela posição do negro nesta nova sociedade.

O negro cubano historicamente pensou-se a si mesmo primeiro como cubano e depois como negro. Isto tem reforçado o tratamento das particularidades dos negros nos meios de comunicação. Isto tem prevalecido por muito tempo, se refletindo na ausência de protagonistas negras e negros, pois não importava a cor da sua pele, mas sim o seu papel dentro da história, ideia totalmente louvável, salvo pelo pequeno detalhe de que os protagonistas sempre têm sido brancos.

 

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Texto extraído do Projeto de Mestrado, PPGAS/UFSC, orientação de Ilka Boaventura Leite.