Ainda sobre os processos de legitimação do português angolano, é possível considerar o papel da literatura angolana escrita em português, que mescla termos, expressões e sintaxe de línguas angolanas. Trata-se de um híbrido linguístico que ratifica o papel estético e político da língua na construção de uma literatura nacional. Muitos autores angolanos têm incorporado em suas obras glossários de termos e expressões de línguas angolanas, tornando a obra literária linguisticamente rica e híbrida. É o caso, por exemplo, da prosa de Agostinho Neto, Luandino Vieira, Uanhenga Xitu, Ruy Duarte de Carvalho e Pepetela, para mencionar apenas alguns autores.
Estudos comparados entre o português brasileiro e o português angolano têm sido feitos por pesquisadores brasileiros e angolanos, com buscas de uma compreensão linguística e histórica de formação da língua portuguesa a partir de seu contato com línguas africanas, especialmente línguas da família Bantu. Alguns trabalhos que comparam o português angolano e o português brasileiro incluem: Angola e Brasil: vínculos linguísticos afro-lusitanos, por John Lipski (2008); Variedades linguísticas em contato: português angolano, português brasileiro e português moçambicano, por Margarida Petter (2008) e A indeterminação do sujeito no português angolano: uma comparação com o português do Brasil, por Eliana S. Teixeira (2011), dentre outros.
Por fim, percebe-se que a realidade linguística de Angola é complexa e rica, envolvendo atitudes políticas, acadêmicas, institucionais e locais de valorização das línguas africanas em paralelo com a crescente expansão do uso da língua portuguesa. A construção de escolas bilíngues e o uso de línguas angolanas na mídia de massa são exemplos de promoção do multilinguismo em Angola. Políticas de defesa e valorização da diversidade tornam-se possíveis quando são efetivamente sensíveis às práticas linguísticas locais de uma sociedade multiétnica, multicultural e plurilíngue.
Referências
FERNANDES, João; NTONDO, Zavoni. Angola: Povos e Línguas. Luanda: Editorial Nzila, 2002.
KAJIBANGA, Víctor. Sociedades étnicas e espaços socioculturais. Comunicação apresentada no colóquio científico Angola, 25 anos de independência: Balanço e perspectivas. Moscovo, Casa Editorial Lean, 2003.
LIPSKI, John. Angola e Brasil: vínculos linguísticos afro-lusitanos. Veredas, 9, 2008: 83-98.
MINGAS, Amélia. Interferência do Kimbundu no português Falado em Lwanda. Luanda: Edições Chá de Caxinde, 2000.
NTONDO, Zavoni. Morfologia e Sintaxe da língua Ngangela. Luanda: Nzila, 2008.
NZAU, Domingos Gabriel Ndele. A Língua Portuguesa em Angola: Um Contributo para o Estudo da sua Nacionalização. Tese de doutorado. Universidade da Beira Interior, Departamento de Letras (2011). Disponível em <http://www.adelinotorres.com/teses/Domigos_Ndele_Nzau.pdf>.
NZAU, D. G. N.; VENÂNCIO, J. C.; SARDINHA, M. da G. D. Em torno da consagração de uma variante angolana do português: subsídios para uma reflexão. Limite, nº 7, 2013, pp. 159-180
PETTER, Margarida. Variedades linguísticas em contato: português angolano, português brasileiro e português moçambicano. Universidade de São Paulo, Tese de Livre-docência, 2008.
TEIXEIRA, Eliana S. Pitombo Almeida, N. L.F. A indeterminação do sujeito no português angolano: uma comparação com o português do Brasil. Papia (Brasília), v. 21(1), p. 99-111, 2011.