O presente trabalho compreende o maracatu-nação pernambucano como uma configuração cultural, nos termos de Grimson (2012), no sentido de perceber a cultura, articulada em cada contexto cultural. Assim nosso olhar se volta para os sentidos que os maracatuzeiros atribuem à sua prática cultural.
Entendo o maracatu-nação pernambucano como uma prática cultural atravessada por várias dimensões: as organizações das nações de maracatu, também chamadas de agremiações, em diálogo com instituições do Estado-nação brasileiro; a do espetáculo, através de apresentações e no diálogo com o mercado de bens culturais e com a indústria cultural; e a dimensão da crença, através da realização de rituais religiosos junto aos terreiros de matriz africana de Pernambuco – dimensões essas que podem ser percebidas e produzidas num espaço de negociação de sentidos em que os maracatuzeiros reafirmam suas práticas culturais.
Nas apresentações que acontecem em geral nas ruas, percebo o maracatu-nação sob a forma de um cortejo real[1], onde há um protagonismo de reis e rainhas, príncipes, princesas, vassalos, além de outras figuras como baianas ricas, caboclos de pena, catirinas e a dama do paço, que leva em suas mãos a calunga – personagens que, na maioria das vezes[2], são feitos por pessoas das comunidades onde se situam as nações de maracatu.
Segundo Katarina Real (1990), pesquisadora norte-americana da arte folclórica pernambucana, a palavra “nação” é utilizada entre os pesquisadores que estudavam tal manifestação cultural, pois a palavra “maracatu” provocava confusão a respeito do seu “verdadeiro” significado, e a etimologia da palavra ainda permanece sem clarificação depois de longos debates[3]. Além disso, há dois tipos de maracatus existentes em Pernambuco, diferentes na sua forma e conteúdo, maracatu-nação ou de baque virado e maracatu rural ou de baque solto. Assim a autora se refere à nação de maracatu para se referir às nações africanas, ligadas à instituição da Coroação do Rei do Congo, vinculadas às Irmandades de Nossa Senhora do Rosário e ao culto de São Benedito, que reuniu escravos africanos, como também negros alforriados em séculos anteriores. Tal tema sobre a origem da manifestação do maracatu e como a noção de nação foi atrelada ao termo também foi discutido pelo pesquisador Guerra-Peixe (1980), entre outros autores. Hoje a noção de nação é muito perpassada pelas pesquisas acadêmicas já desenvolvidas sobre tal manifestação e pela maneira como os maracatuzeiros conceituam sua prática cultural. Tais conceituações são diversas e atribuem também dinamicidade ao maracatu-nação.
A calunga[4] consiste em uma boneca negra feita de cera ou madeira que personifica eguns. Os eguns são espíritos de pessoas que já viveram, que possuíam uma relação com a religiosidade e estavam vinculados com determinada nação de maracatu. Cada nação tem uma ou às vezes até três calungas que representam eguns diferentes, com nomes diferentes. Assim, quando sai na rua, além de representar toda a ancestralidade negra que ajudou a perpetuar o maracatu, a calunga, através de seu vínculo com a religiosidade, protege a nação espiritualmente.