Construindo o movimento: um estudo sobre o processo de mobilização do MOQUIBOM e ACONERUQ no Maranhão
Willian Luiz da Conceição
Historiador, mestrando em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina – PPGAS/UFSC.
Pesquisador Associado ao Núcleo de Estudos de Identidades e Relações Interétnicas – NUER/UFSC.
A problemática deste trabalho de Mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (PPGAS/UFSC) é a continuação de uma pesquisa iniciada em 2014 com o objetivo de estudar o papel da branquitude nas relações raciais no Brasil, e se alinha a um campo recente de estudos interdisciplinares sobre a branquitude. A problemática da brancura aparece visto a inexistência do elemento branco como fator importante da constituição das barreiras raciais e sociais no país. Os recentes estudos da branquitude partem da crítica social e acadêmica de que a ausência e invisibilidade da branquitude nos estudos históricos, antropológicos, sociológicos e literários é uma maneira de afastar o branco da sua responsabilidade como grupo étnico.
A produção de conhecimento na área das Ciências Humanas tem, em grande medida, se destacado nos estudos sobre a negritude e o negro problema o que conduz na minha opinião a uma visão monolítica das hierarquias raciais constituintes do racismo estrutural (ONU, 2014) que segrega e vitimiza parte significativa da população brasileira, cerca de 52%. Em contrapartida a problemática da branquitude questiona o negro exclusivamente como objeto racializado a ser dessecado em um mecanismo de conhecimento que reiterou persistentemente que as desigualdades raciais e sociais constituem um problema unicamente do negro e de sua incapacidade de superar as barreiras da vida social brasileira (BENTO, 2002) diminuindo a intervenção do branco nas relações raciais.
O reconhecimento do racismo institucional no Brasil é recente. Durante muitos anos e ainda hoje, um mito nos assombra. O mito de uma falsa democracia racial. A ideologia da mestiçagem como identidade assumida pelo Estado-Nacional desde 1930 buscou durante anos afirmar que o Brasil era o país da integração entre os grupos étnicos e se utilizou da ampla gradação étnico-racial existente para atestar a não existência do racismo. O modelo de integração racial brasileiro foi fortemente exportado, todavia, fundamentasse em uma falácia de base ideológica. O ideal de mestiçagem mostrou-se como ideologia, e em si mesma carrega um princípio antimestiçagem, em que predomina um projeto político historicamente assentado no desejo de branqueamento da nação.
O que evidenciamos se articula como fenômeno racial de hierarquização social, econômica e também estética com base na brancura como valor quase intransponível, estabelecido em “um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê os outros, e a si mesmo, em uma posição de poder, em uma geografia social de raça, e como lugar confortável e do qual se pode atribuir ao outro aquilo que não se atribui a si mesmo” (FRANKENBERG apud PIZA, 2002: 71; FRANKENBERG, 1999b: 43-51; 2004: 307-338). Para Alberto Guerreiro Ramos no “Brasil, o branco tem desfrutado do privilégio de ver o negro, sem por este último ser visto. Nossa sociologia do negro até agora tem sido uma ilustração desse privilégio” (Ramos, 1995[1957]: 202). Este privilégio de ver sem ser visto, contribuindo para uma sociologia do negro, estabeleceu segundo Dyer o branco como grupo em norma, e os demais não brancos como desvios desta norma, “como se fosse a maneira natural, inevitável e comum de sermos humanos” (DYER, 1988, p. 44).
O conceito de branquitude foi entendido como a identidade étnico-racial atribuída ao branco e que se estende a toda a sociedade, entretanto, isto não significa que a identidade branca seja fixa ou una, ela carrega ambivalências, é constantemente mutável e no caso do Brasil ela possui uma negação retórica, ou silenciamento, o que é compreendido muitas vezes como sua inexistência. É importante compreender o silêncio da branquitude como algo a ser interpretado, nem sempre o ato de silenciar guarda o vazio, o nada, ao calarmo-nos podemos estar afirmando muitas coisas, o silêncio carrega uma linguagem, esta pode conter informações privilegiadas do mundo, basta que possamos investigá-lo de forma intensificada. Maurice Mereau-Ponty ao afirmar que a “linguagem diz peremptoriamente, mesmo quando renuncia a dizer a coisa mesma” (MEREAU-PONTY, 1960, p. 144).
O livro de Lia Vainer Schucman intitulada Entre o encardido, o branco e o branquíssimo: branquitude, hierarquia e poder na cidade de São Paulo, baseado na sua tese de 2012 na Universidade de São Paulo – USP, partiu de entrevistas com brancos na cidade de São Paulo, estes advindos de diferentes classes sociais, gênero e gerações com o objetivo de compreender os significados que estes sujeitos atribuíam sentido em “ser branco”. Os resultados dos trabalhos de Schucman apontaram que o racismo se assenta na ideia de raça construída ainda no século XIX, persistindo seu eco nos comportamentos e na subjetivação de indivíduos brancos. A pesquisa concluiu que estes sujeitos acreditam que “ser branco” determina fortemente características morais, intelectuais e estéticas (SCHUCMAN, 2014).
Em meu trabalho de conclusão do curso em História na Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, intitulado OS ARRANJOS DA BRANQUITUDE EM JORGE AMADO – entre ambivalência da mestiçagem e o fortalecimento da cultura brasileira. Busquei analisar a obra Tenda dos Milagres (1968) de Jorge Amado através do conceito da branquitude. O trabalho constou de análise das características dos personagens negros, mestiços e brancos, numa obra que Jorge Amado declarou como seu romance-tese sobre a mestiçagem e cujo protagonista é um “mulato” (Pedro Archanjo). A problemática apareceu quando o homem branco (James Levenson), mesmo não sendo protagonista declarado, é o elemento central e referencial da narrativa sobressaindo a branquitude como elemento estrutural da obra.
Por conseguinte, nosso objetivo neste trabalho é compreender a branquitude como categoria conceitual para análise das relações raciais no Brasil. A partir disso refletir sobre a bibliografia produzida principalmente nos Estados Unidos (onde a branquitude tem sido estudada a muitos anos) articulando o conceito e a problemática a partir da realidade brasileira, problematizando-a enquanto fenômeno a ser estudado.
REFERÊNCIAS
BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, P., STREIFF-FENART, J. Teorias da etnicidade: seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. São Paulo: Unesp, 2011.
BRASIL, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
COHEN, Anthony P. The symbolic construction of community. Londres: Routledge, 1985.
FABIANI, Adelmir. Os quilombos contemporâneos maranhenses e a luta pela terra. Estudios Históricos, Uruguai, v. 2, 2009.
FURTADO, Marivânia Leonor Souza. Aquilombamento no Maranhão: um Rio Grande de (im)possibilidades. 2012. 313 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em geografia, Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente, 2012.
PROJETO VIDA DE NEGRO. Vida de negro no Maranhão: uma experiência de luta, organização e resistência nos territórios quilombolas. Coleção Negro Cosme, v. 4. São Luís: SMDH, CNN-MA, PVN, 2005.
SILVA, Dimas Salustiano. Constituição e diferença étnica: o problema das comunidades negras remanescentes de quilombo no Brasil. In: Regulamentação de terras de negro no Brasil. Boletim informativo do NUER, v. 1, n. 1, Florianópolis, 1997. Brasília, 1988.
SILVA, Ivo Fonseca. Ivo Fonseca Silva. Depoimento [Novembro. 2013]. Entrevistador: SOUSA, Igor Thiago Silva de. Entrevista concedida para elaboração de monografia apresentada no curso de Ciências Sociais na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) em 2014..
COSTA, Almirandir Madeira. Almirandir Madeira Costa. Depoimento [Maio. 2012]. Entrevistador: SOUSA, Igor Thiago Silva de. Entrevista concedida para elaboração de monografia apresentada no curso de Ciências Sociais na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) em 2014.
Texto extraído do Projeto de Dissertação de Mestrado a ser defendida no PPGAS/UFSC sob orientação dos profs. Ilka Boaventura Leite e Theophilos Rifiotis.
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